Sweet Dreams

Quem olhava de longe, nunca percebia as tristezas que guardavam a casa das cerejeiras. Era uma residência muito antiga, e como qualquer antiguidade, as más línguas não polpavam os elogios. Vivia ali uma jovem menina, beirando seus dezesseis, dezessete anos, que nunca era vista pelos moradores da pequena cidade em que residia. Morava apenas com duas empregadas, os pais, cujo assassinato ainda era algo misterioso, haviam se ido muito antes da menina proferir suas primeiras palavras, mas deixaram para a pequena grandes riquezas, que por vários anos foram administradas por suas criadas. Das poucas vezes que a menina era vista pela cidade, era descrita como uma bela moça ao melhor estilo vitoriano. Tinha a pele muito clara, quase como porcelana bem antiga, porém seus cabelos eram como a noite, escuros e cheios de vida. Seu caminhar era muito lento, e na maioria das vezes parecia guardar uma dor terrível dentro de si, ou algo que pesava horrores em suas costas. Nunca era vista sorrindo, muito menos chorando, mas sempre diziam que a cima de tudo era muito educada. Dava bom dia, boa tarde, e algumas vezes até boa noite, por favor e obrigada. Quando cantava, os homens paravam a beirada da grande cerca para ouvi-la, mas ninguém nunca teve a audácia de escalar os grandes muros que lhe escondiam. 

Certo dia a moça saiu para uma caminhada ao cair da noite, quando o sol já não se encontrava mais no horizonte. Costumava caminhar a beira da praia, arrastando seus longos vestidos pela areia molhada, sussurrando palavras aleatórias enquanto dançava. De todos os homens da pequena cidade, havia um que se sobressaia em quase tudo. Tanto em beleza, quanto em riquezas, e seu filho herdara os mesmos traços delicados do pai. Gregorio sorria muito, alguns diziam que sorria até de mais, mas nunca se deixe enganar pelo sorriso galanteador, ele não costumava se prender as moças que conhecia no bordel. Passou várias semanas observando a herdeira de longe, enquanto bebericava seu vinho mais caro, porém a menina nunca retribuiu seus olhares maliciosos. Aparentava ser inocente de mais, boba de mais, mas a educação que tinha aprendido em casa dizia algo totalmente diferente. 

Gregorio se aproximou da menina na véspera de seu aniversário, quando esta caminhava pela praia sem companhia alguma. Naquela época, uma moça tão bela passear de noite desacompanhada seria uma enorme falta de educação, mas ninguém ousava julga-la, não por isso. Ele usou de maneira hostil suas melhores cantadas, mas a garota permanecera o tempo inteiro cabisbaixa, desprovida de qualquer emoção. Sempre tão persistente, Gregorio já estava a ponto de desistir, quando lembrando de sua perfeita educação, pegou na delicada mão da garota e lhe fez uma pergunta, soando tão derrotado quanto possível. 

- Posso ao menos saber seu nome? 

Desconfortável, a menina encolheu os braços, puxou a própria mão e se virou para o mar, onde as ondas quebravam próximas ao seus pés. A lua crescente estava em seu ponto mais alto no céu, iluminando bem mais que qualquer lampião na beirada da praia. 

- Circe. 

Um belo nome para uma garota tão sombria, ele pensou lembrando-se da famosa feiticeira mitológica que viu por várias vezes em seus livros de história. Ele se virou para olha-la uma última vez, porém alguma coisa lhe deixava tonto, embriagado, como se o vinho recém consumido estivesse lhe deixando grogue. Não durou nem mesmo um minuto, e quando se deu por si, estava sozinho.

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